Caros leitores,
Quem nunca ouviu falar na expressão: "Batalha Espiritual". Essa expressão, atualmente, tem arrastado inúmeras pessoas à uma falsa concepção da realidade acerca do mundo espiritual, além de trazer a inversão de alguns papéis.
Batalha Espiritual. O nome em si já sugere do que se trata: é um movimento cuja ênfase maior é na luta da Igreja de Cristo contra Satanás e seus demônios, conflito este de natureza espiritual, quanto aos métodos, armas, estratégias e objetivos
O crescente interesse em círculos evangélicos por Satanás, demônios, espíritos malignos, e o misterioso mundo dos anjos, corresponde ao surto de misticismo atual, um interesse crescente no mundo nos dias de hoje pelos anjos maus e bons, e pelo oculto. Mas não somente no mundo, dentro da própria igreja cristã assistimos o crescimento da busca pelo miraculoso e sobrenatural, na esteira do neopentecostalismo. Por neopentecostalismo, quero dizer, aqueles movimentos surgidos em décadas recentes, que são desdobramentos do pentecostalismo clássico do início do século, mas que abandonaram algumas de suas ênfases características e adquiriram marcas próprias, como ênfase em revelações diretas, curas, batalha espiritual, e particularmente uma maneira de encarar a realidade espiritual.
Esse movimento é caracterizado por uma leitura das Escrituras e da realidade sempre em termos da ação sobrenatural de Deus. Deus é percebido somente em termos de sua ação extraordinária. Assim, para o neopentecostal típico, Deus o guia na vida diária através de impulsos, sonhos, visões, palavras proféticas, e dá soluções aos seus problemas sempre de forma miraculosa, como libertações, livramentos, exorcismos e curas. A doutrina que caracteriza, mais que qualquer outra, as igrejas evangélicas no Brasil hoje, é a crença em milagres. É claro que não estou dizendo que crer em milagres seja errado. O que estou dizendo é que, na hora em que a crença em milagres contemporâneos e diários passa a ser a característica maior da igreja evangélica, algo está errado.
O neopentecostalismo, por enfatizar a ação sobrenatural e miraculosa de Deus no mundo (a qual não negamos), acaba por negligenciar a importância da operação do Espírito Santo através de meios secundários e naturais. Essa negligência torna-se mais séria quando nos conscientizamos que o Espírito normalmente trabalha através de meios secundários e naturais para salvar os pecadores. Acredito não ser difícil de provar que a esmagadora maioria dos cristãos foram salvos através de meios naturais – como o testemunho de alguém, a leitura da Bíblia, a pregação da Palavra – e não através de intervenções miraculosas e extraordinárias, como foi a conversão de Paulo.
Como resultado do sobrenaturalismo neopentecostal, as igrejas reformadas por ele afetadas tendem a considerar os meios naturais como sendo espiritualmente inferiores. Um bom exemplo é a tendência de considerar o tomar remédios como falta de fé por parte do crente adoentado. Um outro resultado é a diminuição da pregação do Evangelho como meio de salvação dos pecadores, e a ênfase na realização de como meio evangelístico. Assim, a obra do Espírito na Igreja e no mundo através dos meios naturais secundários é negligenciada, com graves e perniciosos efeitos nas vidas dos que abraçam a cosmovisão neopentecostal.
As conseqüências desta maneira de ver a realidade espiritual são sérias para a área do conflito da igreja contra as hostes das trevas, pois a concebe apenas em termos do sobrenatural, negligenciando o ensino bíblico de que Satanás procura atingir a Igreja de Cristo através da carne e do mundo – meios que não são necessariamente sobrenaturais.
Conquanto devamos dar as boas vindas a todo e qualquer movimento na Igreja que venha nos ajudar a melhor nos preparar para enfrentar os ataques das hostes malignas contra a Igreja, este movimento polêmico tem trazido algumas preocupações sérias a pastores, estudiosos e líderes evangélicos no mundo todo, não somente das igrejas evangélicas históricas, como até mesmo de igrejas pentecostais clássicas.
Existem várias razões para essa preocupação. Uma delas é que o movimento, onde tem ganhado a adesão de pastores e comunidades, tem produzido um tipo de cristianismo em que a atividade satânica se tornou o centro e mesmo a razão de ser da existência destes ministérios e igrejas. Nestes casos, embora geralmente as doutrinas fundamentais da fé cristã não tenham sido negadas (há exceções), elas são, via de regra, relegadas a plano secundário, desaparecendo do ensino e da liturgia. O que resulta é um cristianismo distorcido, deformado, onde doutrinas como a salvação pela fé somente, mediante o sacrifício redentor, único e expiatório de Cristo. A doutrina da pessoa de Cristo, sua mediação e ofícios, e doutrinas como a da queda, da depravação do homem, da santificação progressiva mediante os meios de graça, são negligenciadas. Não é que estas igrejas e os proponentes do movimento neguem necessariamente estes pontos; mas certamente não lhes dão a ênfase necessária e devidas, que recebem nas próprias Escrituras.
O fato é que o movimento de "batalha espiritual" tem produzido o surgimento de novas igrejas (e mesmo denominações) cujo ministério principal é a expulsão de demônios e a "libertação" de crentes e descrentes da opressão demoníaca a todos os níveis (espiritual, moral e física, bem como geográfica, estrutural e social). Mas não somente isto — as idéias e práticas difundidas pelo movimento tem se infiltrado nas igrejas históricas, cativando muitos dos seus pastores, oficiais e membros.
A NECESSIDADE DE BASE BÍBLICA
Quando procuramos entender os conceitos da "batalha espiritual" a partir de princípios gerais que controlam as diversas áreas abrangidas pelo tema, poderemos ter alguns trilhos sobre os quais poderemos conduzir o assunto. No que se segue, procuro analisar 02 desses princípios que têm importância fundamental para ele: a soberania de Deus, a suficiência das Escrituras.
1. Deus é soberano absoluto do seu universo
Um soberano é alguém que está revestido da autoridade suprema, que governa com absoluto poderio, que exerce um poder supremo sem restrição nem neutralização. Quando dizemos que Deus é soberano, significa que ele tem poder ilimitado para fazer o que quiser com o mundo e as criaturas que criou, e que nenhuma delas pode, ao final, frustrar seus planos. Podemos fazer algumas afirmações quanto a essa doutrina.
A soberania absoluta de Deus sobre sua criação percebe-se claramente nas Escrituras. No Pentateuco Deus revela-se como o Criador do mundo visível e invisível, e da raça humana. Ele é o Libertador dos seus e o Legislador que soberanamente passa leis que refletem sua santidade e exigem obediência plena de suas criaturas. Ele exerce total controle sobre a natureza que criou, intervindo em suas leis naturais, suspendendo-as (milagres). Assim, em contraste com os deuses das nações, ele é o supremo soberano do universo, acima de todos os deuses, que os julga e castiga, bem como aos que os adoram. Nos livros Históricos, lemos como Deus cumpre soberanamente suas promessas feitas a Abraão de dar uma terra aos seus descendentes, introduzindo-os e estabelecendo-os em Canaã, e ali mantendo-os até que os expulsasse por causa da desobediência deles. Os Salmos e os Profetas celebram a soberania de Deus sobre sua criação e sobre seu povo. É ele quem reina acima das nações e de seus deuses falsos, quem controla o curso desse mundo. Nele seu povo sempre pode confiar e depender.
O mesmo reconhecimento encontramos nas Escrituras do Novo Testamento. Na plenitude dos tempos Deus envia soberanamente seu filho, e dá testemunho dele através de milagres poderosos, ressuscitando-o de entre os mortos. Esses eventos, bem como os que se seguiram na vida dos apóstolos e da Igreja nascente, ocorreram como o cumprimento da vontade de Deus
A soberania de Deus é ensinada no conceito de Reino de Deus. Mas, é o conceito bíblico do Reino de Deus que melhor expressa a soberania de Deus sobre o universo que formou. Tal conceito está presente em toda a Bíblia e mesmo estudiosos renomados têm insistido em que é o conceito central das Escrituras, do qual se derivam todos os demais. Para colocá-lo de maneira simples e sucinta, significa o domínio supremo de Deus sobre suas criaturas, mesmo as que se encontram em estado de rebelião aberta contra ele.
O próprio Satanás está debaixo da soberania divina. Embora não esteja muito claro na Bíblia, a Igreja cristã sempre entendeu que Satanás foi originalmente um dos anjos criados por Deus, talvez um querubim de grande beleza e poder, que desviou-se do seu estado original de pureza e motivado pela vaidade e pela soberba, rebelou-se contra Deus, desejando ele mesmo ocupar o lugar da divindade (Isaías 14 e Ezequiel 28). Punido por Deus com a destruição eterna, o anjo rebelde tem entretanto a permissão divina para agir por um tempo na humanidade, a qual, através de seu representante Adão, acabou por seguir o mesmo caminho do querubim soberbo. Pela permissão divina, Satanás e os demais anjos que aliciou dos exércitos celestiais, cumprem nesse mundo propósitos misteriosos, que pertencem a Deus apenas. Alguns deles transparecem das Escrituras, que é o de servir como teste para os filhos de Deus e agente de punição contra os homens rebeldes.
O ensino bíblico é claro. Satanás, mesmo sendo um ser moral responsável e retendo ainda poderes inerentes aos anjos, nada mais é que uma das criaturas de Deus, e portanto, infinitamente inferior a ele em glória, poder e domínio. Mesmo que a Bíblia fale do reino de Satanás e de seu domínio nesse mundo (Ef 6.12; Lc 4.6; Jo 14.30) e advirta os crentes a que estejam alertas contra suas ciladas (Ef 6.11; 1 Pe 5.8; Tg 4.7), jamais lhe atribui um poder independente de Deus, ou liberdade plena para cumprir planos próprios, ou capacidade para frustrar os desígnios do Senhor.
Assim, a Bíblia nos ensina que Satanás não pode atacar os filhos de Deus sem a permissão dele. Foi somente assim que pode atacar o fiel Jó (Jó 1.6-12; 2.1-7), incitar Davi a contar o número dos israelitas (1 Cr 21.1 com 2 Sm 24.1) e peneirar Pedro e demais discípulos (Lc 22.31-32). Os crentes têm a promessa divina de que ele só permitirá a tentação prosseguir até o limite individual de cada um (1 Co 10.13), o que só faz sentido se o Senhor tiver pleno controle sobre a atividade satânica.
2. As coisas de Deus só podem ser conhecidas pelas Escrituras
Esse segundo ponto é de importância crucial para nosso entendimento da batalha espiritual. Ele trata da suficiência das Escrituras quanto ao conhecimento que precisamos ter acerca de Deus, da sua vontade, suas promessas, e do misterioso mundo celestial, onde invisivelmente se movimentam os anjos e os demônios. Há dois aspectos que precisamos destacar aqui.
A exclusividade da Escritura. A Bíblia é a única fonte adequada e autorizada por Deus pela qual obter informações acerca das coisas espirituais e que pertencem à salvação. Portanto, ela exclui qualquer outra fonte. Muito embora Deus se revele através da sua imagem em nós (consciência, Rm 2.14-15) e das coisas criadas (Rm 1.19-20), entretanto é através de sua revelação especial nas Escrituras que nos faz saber acerca do mundo invisível e espiritual que nos cerca. Assim, muito embora possamos depreender alguma coisa acerca de Deus pelo conhecimento de nós mesmos e do mundo criado, é exclusivamente nas Escrituras que encontraremos a revelação clara e plena de Deus para a humanidade.
A suficiência da Escritura. A Bíblia traz todo o conhecimento que precisamos ter nesse mundo, para servirmos a Deus de forma agradável a ele, e para vivermos alegres e satisfeitos no mundo presente. Mesmo não sendo uma revelação exaustiva de Deus e do reino celestial, a Escritura entretanto é suficiente naquilo que nos informa a esse respeito.
1) A única fonte autorizada que temos para conhecer o misterioso mundo angélico onde se movem anjos e demônios é a Bíblia. Mesmo que existam muitos conceitos e idéias acerca dos demônios, advindas da superstição popular, da crendice e de experiências pelas quais as pessoas passam, é somente nas Escrituras que encontramos conhecimento seguro acerca de Satanás e de sua atividade nesse mundo. Ela é singular e exclusiva.
2) A Bíblia contém tudo o que Deus desejava que conhecêssemos a respeito de Satanás. O ensino que ela nos oferece sobre os demônios e suas atividades é suficiente para que possamos estar sempre prontos para resistir às suas investidas e para ajudar as pessoas que se encontram cativas por eles. Ou seja, tudo que precisamos saber para travarmos uma guerra espiritual contra as hostes espirituais da maldade está revelado nas páginas da Escritura, e isso inclui conhecimento das ciladas astutas do diabo e a maneira correta de procedermos diante delas. A Bíblia é nosso manual de combate espiritual. Ela nos revela o caráter de nosso inimigo, suas intenções e artimanhas, e de que modo podemos ficar firmes contra suas ciladas.
Os perigos que correm os cristãos que adotam uma demonologia ou uma visão de batalha espiritual que vai além dos padrões da Palavra de Deus são devastadores. Via de regra, os que têm ido além das Escrituras acabam caindo numa demonologia semi-pagã. Defensores dessa nova teologia mesmo apresentando as vezes bom material bíblico são tendentes a especulações fantásticas e imaginações espetaculares. Os que vêem a dor, o sofrimento, as doenças, a depressão, o desemprego, os conflitos pessoais e o pecado — enfim, toda a miséria que existe no mundo ao seu redor — sempre em termos de batalha espiritual, correm diversos riscos quanto à sua fé.
Falsa compreensão. Quando aceitamos a idéia de que vivemos num mundo onde todo mal se origina na atuação direta de Satanás ou alguns de seus demônios, perdemos de perspectiva o ensino bíblico de que somos responsáveis pelos nossos pecados e pelas conseqüências dos mesmos, que geralmente nos trazem dor e sofrimento. E podemos até mesmo começar a questionar se a disciplina espiritual é de algum valor para quebrarmos o poder dos hábitos pecaminosos em nossas vidas, já que acreditamos que estes se resolvem pela expulsão de entidades espirituais responsáveis pelos mesmos.
Temor doentio. Pessoas que percebem a vida cristã exclusivamente em termos de batalha espiritual, logo começam a ver conexões sinistras e macabras entre os eventos do dia a dia e a atividades de demônios, o que pode levá-las ao pânico ou a um comportamento paranóico.
Ilusão. Pessoas que experimentam umas poucas vezes a "vitória" sobre o inimigo podem adquirir uma falsa sensação de superioridade, de orgulho ou a ilusão de terem "poder". Entretanto, a vitória pertence a Deus. Devemos nos lembrar que a maioria dos problemas que os cristãos experimentam procedem de suas próprias faltas, defeitos, incoerências, idiossincrasias e enfermidades espirituais. Não estou negando que Satanás usa essas coisas para prejudicar nossas vidas, apenas destacando que elas tem origem em nossa natureza decaída.
Se porém permanecermos confiantes na exclusividade e na suficiência do ensino da Escritura e permanecermos firmes no que ela nos ensina, poderemos entrar no combate espiritual perfeitamente equipados e tendo a perspectiva correta do que está acontecendo. Esse é um princípio fundamental que devemos manter a todo custo quanto ao tema da batalha espiritual.
Não vos deixeis envolver por doutrinas várias e estranhas, porquanto o que vale é estar o coração confirmado com graça.. (Hebreus 13.9)
Evangélicos em Crise; Paulo Romeiro
O que Você Precisa Saber sobre Batalha Espiritual, Rev. Augustus Nicodemus
Comments
7 comments to "O Fenômeno: Batalha Espiritual"
27 abril, 2009 19:47
Prezamado pr. Elder Sacal,
A Paz do Senhor!
Excelente desafio e uma batalha Espiritual vencida, para quem ler, este seu comentário.
Muito elucidativo, para esta questão tão embaraçosa no meio da igreja, que está desfigurando, o verdadeiro motivo do Evangelho em sua correta aplicação.
O Senhor seja contigo.
pr. Newton Carpintero
www.pastornewton.com
28 abril, 2009 19:29
Pastor Elder,
A paz do Senhor! Já tenho visitado seu blog (estando entre os que eu acompanho, já a algum tempo) e cada vez mais sou edificado com palavras inundadas de conteúdo e bases genuinamente bíblicas.
Que Deu continue te usando para a construção de textos tão bem elaborados e extremamente edificantes.
A paz do Senhor!
Jordanny Silva
28 abril, 2009 20:20
Meus amigos,
Olhemos firmemente à Palavra de Deus proclamando o evangelho da Graça.
Deixemos de lado esse cativeiro religioso que distorce nosso Senhor e Salvador.
Vivemos a vida, maravilhosa, que nos fora concedida por Deus, crendo que quem está em Cristo é nova criatura.
Analisemos todo e qualquer ensino e sempre aptos para esclarecer a Luz da Sã Doutrina sua base teológica.
Em breve comemoremos 500 anos da Reforma Protestante, foquemos nos olhos nela e novamente bradamos: SOLA ESCRIPTURA
Abraços Pr Elder
01 maio, 2009 12:08
Jordanny
Meu querido irmão em Cristo e agora meu amigo, são comentários como seu que me motiva a continuar nessa obra.
Forte abraço
Pr Elder
06 janeiro, 2012 16:59
15 janeiro, 2012 11:26
Eu oro a Deus para que caia o espirito de engano da sua vida, para que, na UNIAO do amor em Cristo, nós possamos trazer o ESPIRITO SANTO, e nao colocarmos rebelião e julgar igrejas.
08 janeiro, 2015 20:34
Muito interessante a postura que o
sr.mantém a respeito da biblia como
guia suficiente para nortear os filhos de DEUS.
Que o Espirito Santo continue fomentando o seu ministério.
Fique na Paz de DEUS.
Diniz
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